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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

domingo, 28 de abril de 2013

À sangue frio (parte II)




Seria mais um dia normal não fosse o incidente da noite anterior. Tratei de agir normalmente chegando atrasado como de costume me dirigindo a minha sala, sem prestar muita atenção no que os outros estavam fazendo. Estávamos entre nove pessoas, era um jornal de pequena circulação situado no meio do centro daquela cidade interiorana. Dava uma boa grana, o bastante para pagar o aluguel e algumas contas, e permitia algumas pequenas regalias como jantar fora às vezes. Mas eu nunca fui bom em trabalhar. Talvez o certo seja: eu nunca fui bom em me situar a pequenos lugares e permanecer por muito tempo. Já conhecia as salas até mesmo em seus mínimos detalhes. Arquivos enormes cinzas, pastas e mais pastas, jornais para todos os lados, pessoas caminhando com pressa e o telefone tocando. Alguns dias aquilo era um caos, mesmo para uma cidade do interior.
Joel nem me olhou. Estava ali pegando um copo de água e eu com o meu cigarro. Eles odeiam que eu fume, existem regras para não fumar na redação, foda-se aquilo. Eu achei que ele começaria algum discurso parecido com aqueles que meu pai sempre faz sobre responsabilidades e consequências. Eu faria o que sempre faço quando ele discursa sobre tais coisas: acenderia meu cigarro e não daria a mínima. Fingiria interesse, diria que pensaria em algumas mudanças de comportamento e não faria nada de diferente. Mas existia algo diferente no ambiente, mesmo que estivéssemos em um lugar tão habitual, as palavras não sairiam como de costume, não seriam as mesmas como de costume e muito menos as nossas reações seriam iguais.
- Você é brilhante, mas é um babaca. Não posso continuar com você na redação.
Eu fiquei tocado com aquelas palavras. Finalmente um pouco de reconhecimento! É pedir demais? Nem daria relevância para o anúncio de que havia sido despedido. Eu finalmente tinha conseguido, um pouco de prestígio. Mesmo que tivesse saído da forma com que aconteceu, eu havia chegado lá. Pelo menos uma pessoa nesse mundo sabia que eu era brilhante. Uma pessoa admitia o meu brilhantismo, o gênio que muitos não viam, não eram todos cegos e alguém podia ver a forma radiante como eu colocava as palavras. Não é ótimo ter o ego massageado? Até parece que nós realmente acreditamos no que os outros dizem para a gente. Até parece que se importam conosco. Não sei o que eu faria o resto do dia desempregado, mas isso já me daria ideias para começar aquele livro que eu tanto queria. Porventura eu falasse sobre esse episódio.
Olhei pra ele e apaguei o cigarro. Eu não sabia ao certo o que falar, muito menos o que argumentaria sobre a surra que dei em Jordana. O que eu diria? “Ela mereceu”? Seria meio infantil. Ele provavelmente já sabia ou saberia em breve quando visse o olho roxo dela, os machucados na sua face ou a forma debilitada como viria ao trabalho.
- Apenas pegue suas coisas.
E me deu um abraço. Foi uma forma de dizer que se importava comigo, eu acredito. Não havia tempo para uma reação. Apenas fiz o que ele me pediu, enquanto todos me olhavam, esperando, torcendo para que suas expectativas fossem cumpridas. Não teriam que aturar aquele charlatão metido a intelectual, arrogante e entedido de todas as coisas que remetiam a dar uma opinião. Esvaziava a gaveta, colocando os livros de Poe em uma caixa, as folha anotadas, as agências esquecidas cheias de listas que nunca foram cumpridas dentro e a minha arma. Eu tinha um mini pistola, 22, presente de um vô que nunca foi presente, mas uma lembrança constante dos tempos em que íamos acampar e fazíamos de nossas refeições animais vivos que caçávamos na floresta. Foi uma herança inútil. Era uma herança inútil, até aquele momento. Meus passos pesados eram a prova de que, mesmo odiando aquele lugar, eu não queria ir embora. Talvez não dá forma como estava sendo, talvez pelo apreço familiar. Constantemente temos a necessidade involuntária de romantizar pessoas, lugares, coisas, objetos, na intenção de ver alguma importância real neles. Acendia um último cigarro em ato de rebeldia e fui descendo as escadas. Foi quando encontrei Jordana. Seu sorriso parecia uma amostra de que tramava algo, seu sorriso era confiante, inóspito, ela tinha algo preparado. Já dizia Bukowski, “uma fêmea raramente se afasta de uma vítima sem ter outra à mão”, e nesse caso, eu era a vítima. Seus dentes tão a mostra assim eram um indício de que planejara uma forma de dar o troco. Aprendi que as pessoas só sorriem dessa forma quando transaram na noite passada ou estão esperando confirmar algo. Ao sair do prédio confirmei isso.
Dois policiais me esperavam, e logo me trataram de colocar na viatura. Qualquer falatório meu seria inútil, então apenas travei e engoli qualquer palavra que pensei em dizer. Eles apenas não sabiam que eu tinha uma arma e nenhum receio em usá-la. Meio irracional, meio suicida, mas esse era eu, e eu não dormiria uma noite por um motivo como aquele. Não hoje, não aquela semana, não por aquela causa. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Como de costume, muito bom.